sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Bom baiano

TOPORicardoSpencer

Fotos: Divulgação, Correio 24 horas e Otávio Souza

Mais do que videoartista, o baiano Ricardo Spencer foi peça fundamental no último fortalecimento do rock nacional. Mais precisamente, o diretor teve sua importância na cena do rock baiano quando ajudou a mostrar a cara do Cascadura e Sangria. No entanto, foi com outra conterrânea que Spencer conseguiu projeção nacional. Com a cantora Pitty, amiga de longa data, o diretor levou pra casa os prêmios das maiores emissoras musicais do país. A dupla rende bons frutos até hoje como o último DVD da banda, o Chiaroscope. No meio do caminho surgiram outros bons amigos dos quais Spencer fala sobre exclusivamente ao Pixelóide. O diretor também menciona o ínicio de sua carreria, seu modo de trabalhar e revela qual é a sua principal inspiração, a avó Nilda Spencer.

01. Muitissimo obrigado em se dispor a responder umas perguntinhas para o blog! A primeira pergunta é sobre o começo. Como você iniciou sua carreira em direção? Começou no meio audiovisual desempenhando outras funções?

Eu morava com os meus pais, mas passava a maior parte do tempo na casa de minha avó Nilda Spencer, uma grande atriz, primeira dama do teatro baiano, que me ensinou muito. Inclusive foi ela quem me empurrou para um primeiro curso de cinema. Nós eramos muito ligados. Eu a via ensaiando, atuando, e acho que por isso, desde sempre quis ser este expectador, que cada diretor é à sua maneira, sempre detrás das câmeras. Me orgulho muito de ter acompanhado uma experiência artística em casa, uma vida dedicada à arte. Como eu tinha uma necessidade muito grande de me expressar, a opção óbvia foi a de roteirista e diretor, funções em que comecei no cinema. Já trabalhei também como pesquisador, diretor de figuração, making of, teste de elenco.
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Spencer acompanhado de sua avó, Nilda Spencer

02. A criação dos primeiros esboços de um clipe é um processo solitário para você ou é necessário opiniões de quem será dirigido, por exemplo?


Depende de como a banda vem no primeiro encontro. Já tive casos de total liberdade para roteiro, como também bandas que chegavam com idéias prontas. Eu particularmente acho que as bandas ganhariam mais não apresentando um argumento ou roteiro pro diretor, a princípio. E sim passar a idéia da música, o que o levou a compô-la, alvoroçando tudo. Eu procuro investigar bastante as letras. E mesmo pras bandas que chegam com argumentos, eu tenho a necessidade de usar meu estilo e o roteiro acaba ficando diferente da idéia original. É um tipo de trapaça minha.

03. Como é trabalhar com videoclipe considerado morto pela própria MTV anos atrás? Você concorda com essa afirmativa?


Concordo que o veículo, antes mais importante pra divulgação deste formato, em pouco tempo conseguiu abalar - e ainda bem que também por pouco tempo - toda uma classe. A que antigamente conseguia ser paga, porque as gravadoras investiam mais, já que o vídeo passava repetidamente. E a que tinha o seu trabalho reconhecido através da premiação, que exaltava setores como direção, arte, fotografia. Trabalhar com isso hoje em dia é alternativa ou hobby, mas a internet, que praticamente já recolocou óleo na máquina, assusta com as possibilidades. Como diria Lou Reed, "Pass thru fire licking your lips".

04. Qual banda/artista (nacional e internacional) você quer um dia dirigir?

É uma lista grande, porque sou muito fã de música, já tive banda e não vivo sem escutar muitos sons todos os dias. Poderia citar Sonic Youth, Morrissey, Pavement, Caetano Veloso, João Gilberto, Messias e My Bloody Valentine.

05. Como você se mantém por dentro do que está sendo produzido no cenário de videoclipes atual?

É bem natural, porque o tipo de informação que busco não é sobre a produção de clipes nacionais, é sobre cinema. Descubro sobre clipes novos da maneira mais honesta, que é o YouTube. Conecte-se à rede e após um punhado de cliques, você terá visto clipes independentes e mainstream, making of de ambos, estatísticas, textos... Eu não preciso de mais nada.

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06. Você é do tipo diretor perfeccionista? Costuma repetir takes exaustivamente, passa horas na ilha de edição ou acha que um pequeno desvio no momento da gravação pode contribuir para o videoclipe?


Sou muito metódico ao ponto de escrever roteiros de trinta páginas para videoclipes. Mas o meu perfeccionismo não é seguir um roteiro à risca, pelo contrário. O cinema necessita deste momento de inventividade instantânea. São os sopros que você não sabe muito bem explicar de onde vem. Apostar nestas intuições é fundamental.

07. Qual a importância para você da fotografia em videoclipe? Acha que um bom diretor pode ser um bom fotógrafo ou essas funções devem estar bem definidas em um set?

A fotografia é quando suas idéias ganham forma. Mas para isso existe a função do diretor de fotografia, coisa que no cinema deve ser muito bem utilizada: a das funções específicas. Cada setor é uma máquina que precisa funcionar como um relógio suiço. Voltando à estética, o diretor e o diretor de fotografia precisam estar muito concisos. O processo é delicado, muitas referências são expostas, eu procuro utilizar muito cuidadosamente as palavras ao passar o que desejo no filme. A afinidade aqui é importante porque não se pode ter uma mente que pense longe da sua, porque achar esta confirmação do imaginário é bem difícil.

08. No ano de 2009, você foi responsável por dois grandes lançamentos de duas bandas já consolidadas no mercado: Pitty e Cachorro Grande, que retomaram suas carreiras após curtas férias. Você se envolve com cada dirigido? Se empolga ao ouvir a música na rádio ou quando lê uma crítica positiva para os trabalhos sem necessariamente estar relacionado aos videoclipes?

Eu me empolgo com o sucesso dos meus amigos, claro. E as duas bandas que você citou são mais que amigas. É natural que um torça pelo outro. Assim como bandas feito Cascadura, Retrofoguetes, Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta, e amigos de outros meios também, como o teatro e o cinema.

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09. Quem são suas referências na direção de videoclipes (nacionais e internacionais)?

Antonioni, My Bloody Valentine, Bukowski, Ramones, Buñuel, Kerouac, Jesus and Mary Chain, Strokes, Woody Allen, Nilda Spencer, Meteorango Kid, Jim Jarmusch, Dorothy Parker, Tarantino, Stereolab... muita coisa o tempo inteiro, tudo ao mesmo tempo. E nada relacionado ao videoclipe, basicamente.

10. Indique um clipe que você goste e faça um comentário breve sobre.

Por toda uma vida nostálgica, gostaria de citar O Tempo, do Cidadão Instigado. Quando o passado toma forma em arte pra não te engolir.



Em nome do Pixelóide, agradeço ao Ricardo Spencer pela atenção! Demorou mais saiu. Espero que gostem!
=)

6 comentários:

Ari Holzbach disse...

A entrevista está excelente: boas perguntas, bom roteiro, gostei muito.

Agora, o entrevistado é um dos caras mais bossais que vi nos últimos tempos, pelamordedeus.

testegrande disse...

Little boots - gravity, ficou bacaninha http://www.youtube.com/watch?v=G4TIbp8iuhs&feature=player_embedded

drano disse...

Bem interessante a entrevista! Bem legal saber o lado dos diretores.

Jader Maia disse...

Ari e Adriano, obrigado pelos elogios! Quanto ao Spencer, Ari, por que você o achou bossal?

Valeu pela dica, Qual a Grande Idéia!

oconrado.bh@terra.com.br disse...

BACANA A ENTREVISTA COM O SPENCER.
CURTO BASTANTE O TRABALHO DELE.
MANDOU VER, JADER!

Ari Holzbach disse...

Jader,
desculpe a demora em responder, espero que ainda dê tempo de vc ler. Achei o cara bossal porque ficou notório que:

1) ele não valoriza nada que venha do videoclipe propriamente, apenas do cinema. Seus diretores favoritos e até a maneira como fala do audiovisual priorizam apenas o cinema, como se audiovisual fosse a mesma coisa que cinema: "o tipo de informação que busco não é sobre a produção de clipes nacionais, é sobre cinema". Pra quem trabalha com videoclipe, isso é no mínimo esquisito, além de preconceituoso. No discurso dele está embutida a ideia de que videoclipe não presta; cinema sim. Repare nessa resposta:

"Antonioni, My Bloody Valentine, Bukowski, Ramones, Buñuel, Kerouac, Jesus and Mary Chain, Strokes, Woody Allen, Nilda Spencer, Meteorango Kid, Jim Jarmusch, Dorothy Parker, Tarantino, Stereolab... muita coisa o tempo inteiro, tudo ao mesmo tempo. E nada relacionado ao videoclipe, basicamente".

POR FAVOR! E Michel Gondry??? E Conrado Almada? E Chris Cunningham ??? E Jonas Akerlund???? E David LaChaplle??? Poderia citar centenas de diretores de videoclipes tão importantes quanto os melhores cineastas.

2) ele acha que "as bandas ganhariam mais não apresentando um argumento ou roteiro pro diretor, a princípio", ou seja, os donos da música, a princípio, por não entenderem nada de cinema (!) não devem se meter na produção, pois o diretor é O cara. Ai, por favor! Repare nesta resposta:

"E mesmo pras bandas que chegam com argumentos, eu tenho a necessidade de usar meu estilo e o roteiro acaba ficando diferente da idéia original. É um tipo de trapaça minha".

Ou seja, a banda não entende nada da mensagem que deseja passar sobre a música que criou. O cineasta é que tem o poder de saber o que deve ou não ser feito...

Enfim, espero não ter parecido grosseira, mas como estudo o videoclie há anos, além de amar a linguagem, fiquei com muita raiva quando li as opiniões dele.

Beijos

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